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HERMES

Para inspirar essa série de trabalhos, que assinala ainda o retorno de uma exposição sua no Recife após quatro anos, Bruno se lançou numa pesquisa sobre o hermetismo, grande ciência, religião ou arte que é tida como um guia para a evolução humana. A origem dessa antiga doutrina liga-se a Hermes Trismegisto (Hermes, o três vezes grande), um semideus, incorporado pelos egípcios na figura do Deus Tot, que tem a capacidade de levar o conhecimento do divino aos homens. Os primeiros registros do hermetismo na história surgem por volta de 2.600 a.C. e é a partir dele que surge a alquimia. Um pequeno livro composto por pouco mais de 120 páginas, o Caibalion, é a grande obra que elabora as suas sete leis.
 
Para Bruno, a inspiração está na descoberta de um mundo próprio, que será revelado para os espectadores através da mitologia pessoal. Há ainda um entendimento singular de “divino” incorporado nas suas criações. A pintura deixa de ser uma representação e passa a ser uma experiência mística vivenciada no âmbito de suas ideias. “Quando a gente pinta de uma maneira meditativa, estamos tendo uma experiência mística. O meu objetivo é transformar em algo real o estado de sonho no qual eu entro durante uma pintura, chegando perto de sentimentos reais”, declara o artista em entrevista à Continente.
 
Foi a afinidade com esses dois pilares (a mitologia pessoal e a experiência meditativa) que o guiou até o hermetismo. Num contato com o mitólogo Cid Marcus, questionou sobre qual tipo de literatura seria interessante para um aprofundamento. Como resposta, recebeu o Caibalion: “O único livro que você precisa ler é esse aqui”.
 
A partir do profundo mergulho nesse pensamento, Vilela criou obras que revelam visualmente o conhecimento do grande mestre, materializado em diferentes linguagens. A complexidade está presente não só no suporte, mas na transcriação em si. “As escrituras falam que Deus, o Todo, é indizível e incognoscível. A arte tem, então, a virtude de mostrar justamente o que não se consegue explicar com palavras”, destaca.
 
Como um anúncio do encontro proposto, a figura de Hermes, na fotografia de uma escultura numa fonte, abre a exposição. É uma espécie de oráculo que retrata uma conhecida citação do Caibalion. O princípio da Transmutação (a ideia da evolução humana é metaforizada na transformação do chumbo, que são os pensamentos negativos, em ouro, que são os pensamentos nobres), presente na prática da alquimia, também dá título a uma das obras que compõem o trabalho. O leão de São Marcos, feito de óleo e carvão, recebe asas e tem o papel de transmitir o conhecimento dos céus através do livro sagrado em suas patas. É possível perceber uma referência aos infinitos anéis do universo no espaço representado pela auréola e círculos ao redor de sua cabeça.
O que está em cima e como o que está embaixo, 114 x 147 cm, carvão e óleo sobre papel, 2018. Imagem: Bruno Vilela/Reprodução
 
O uso do material gráfico como meio artístico também é inédito no trabalho de Vilela. Um simples convite carrega símbolos e significados escondidos. Ancestrais. Atemporais. Além disso, foi produzida uma bandeira verde-esmeralda que traz estampado um símbolo criado pelo próprio artista. Dessa vez, a ideia da evolução humana é representada por figuras geométricas no centro, o selo hermético. Logo acima, uma meia-lua simboliza o fogo, juntamente à estrela de Davi, que é a fusão do símbolo da terra (triângulo para baixo) com o símbolo do céu (triângulo para cima). Do lado direito, o leão, animal terreno, está oposto à figura de uma águia, ligada ao céu.
 
O princípio da totalidade está presente desde o processo de pesquisa até o de criação em si. A dificuldade em integrar as obras da Hermes se dá justamente pela complexidade de expressar que o grande mestre, o divino, está em todo lugar. Seja na fotografia da asa de um avião ou no motor de uma fábrica abandonada, feito de carvão e tinta acrílica. A exposição é uma chave para se conectar com o pensamento hermético, mas é preciso estar aberto espiritualmente para submergir nele. Afinal, é como diz o ensinamento do Caibalion: “quando os ouvidos do discípulo estão preparados para ouvir, então vêm os lábios para enchê-los de sabedoria”. 

SAMANTA LIRA é estudante de Jornalismo da Unicap e estagiária da Revista Continente.
 
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